quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Os gatos não são como as pessoas…


… Não comeram da maçã, não falaram com serpentes, nem conheceram Adão, não estão nus por dentro nem por fora, nem na alma nem no corpo, não respeitam a deus e não têm vergonha, não se envergonham de nada, não enveredam por vãs estéticas, nem pelas futilidades televisivas, não fazem dietas, nem usam batons, nem perfumes para sair à noite, não pintam o pêlo nem lavam os dentes, mais não querem que comida na tigela e água fresca e uma mão que os afague quando muito bem lhes apetece, não embarcam em coscuvilhices de alcova, nem em hipocrisias caseiras, são o que são sem medos, inseguranças, ou outros ardis quotidianos cheios de nada, não lêem livros nem jornais, não vão a palestras nem ao teatro, não comentam a cor do pêlo de outros gatos nem outras ambiguidades que tais, mas dormem, dormem muito e sonham, sonham com comida, com o paraíso dos gatos e comida, e o deus dos gatos e comida, e acordam para comer e voltam a dormir e a sonhar, e no intervalo desta azáfama brincam, saltam e correm e zangam-se, e falam com as pessoas sem entender que elas já não os entendem, voltam então a brincar, com novelos e pássaros e canetas e pendentes, e com o maço de cigarros deixado ao pé do computador, e não têm consciência pesada pelo peixe que pescaram do prato em cima da mesa e fogem sem que na verdade o medo tenha uma forma concreta, e saltam pelos telhados e vão às gatas pela noite fora e voltam e começam tudo de novo, sem tédios nem tormentas nem questões existenciais, e são felizes, sem possuir, uma consciência narcísica ou sequer o conhecimento de que são gatos e são livres…

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