sexta-feira, 16 de março de 2012

A Totalidade do Ser

Sento-me confortavelmente, fecho os olhos, expiro todo o ar da cavidade torácica. Inspiro, lenta e profundamente, sinto o ar a entrar pelas narinas, a encher os pulmões. Continuo a respirar, lenta e profundamente... consciente. Observo. Observo de olhos fechados toda a realidade dentro de mim. Como projecto essa realidade, onde projecto essa realidade, em que espaço, em que tempo projecto essa realidade a acontecer... vou mais fundo. Silêncio... observo. Ouço a minha Voz no silêncio interior. Escuto activamente e observo. A mente começa a ficar impaciente, procura interferir, seduzir-me com questões mil tão pouco substanciais como a realidade existente lá fora. Fora de mim. Conheço-a, e observo-a. Sei que está desconfortável e que lhe é urgente voltar à realidade limitada que auto-concebe para continuar a existir comigo. Por momentos desiste. Talvez tenha adormecido. Prossigo. Sinto o meu corpo total, sinto na sua totalidade as possibilidades infinitas em que posso acontecer manifesta. E ao fundo, como uma tela que se abre e se aproxima sem pedir licença, corre um filme. Observo. É o filme da coerência socializante. Os limites da existência que dão coesão a toda uma estrutura que de tão imprevisível acontece real e palpável, de tal forma, que nela acreditamos como se mais nada pudesse Ser. Observo. Observo apenas, com total estabilidade. Sinto o meu corpo. E de tanto o sentir apenas o sinto, sem interferência do chão onde assenta. Pairo no vazio, no vazio das infinitas possibilidades onde me posso acontecer. Sonho. Sonho com todas as minhas células ao mesmo tempo, dentro e fora, em sintonia, ressoando com o Sonho, esse que ninguém sabe desvendar o mistério. 

O Homem ainda é uma ponte suspensa no abismo, mas o Super-Homem um potencial infinito dentro de todas as bestas. 

Sonho com todas as minhas células e sinto-as sonhar. E esse potencial não é mais que tensão necessária à divina Criação de se experienciar. Sonhando... sonhando o Homem. O Homem sonhando Deus. Uma relação circunferencial. Quando volto do sonho, deste que sonho com todas células, doem-me todas as possibilidades de me ser. Observo. No interior tudo permanece na sua habitual impermanência. E chega a mente com a sua algaraviada... perturba-me... vem acompanhada. E às vezes pergunto-me como podem existir tantas dentro de mim? 

Levanto-me, dispo-me de toda a experiência para poder vestir a roupagem da realidade coerente dos meus vizinhos. Saio. Observo o Sol e o seu diálogo com a Terra. Estão bem dispostos, joviais, quase alheios ao que se passa no seu entremeio. Sigo até ao café onde tomo o pequeno-almoço e observo as pessoas à minha volta. Todas estas pessoas dão coerência à minha realidade física. Todas elas como frutas maduras caem da minha mente para a realidade que construo. Aqui e noutros lugares de possíveis realidades manifestadas, e no fundo sei que a manifestação não é mais que uma necessidade da realidade se sentir ser. Doem-me todas as possibilidades que estas pessoas representam para mim. Todos os espelhos, todas as imagens infinitamente representadas em todas as possíveis direcções. O que está em cima sugere ser igual ao que está em baixo. Mas na representação desta coisa única onde todos somos parte de um mesmo organismo vivo, tudo tende a dispersar ao invés de confluir para o equilíbrio. E repito-me infinitamente, num infinito de multipossibiliades paralelas, onde não alcanço a consciência de me Ser. Razoabilidade sugerem-me os que passam ao meu lado. Razoabilidade é tudo o que não preciso. Razoabilidade é silenciar a consciência, é dar espaço à mente para se apoderar de toda a matéria de que é feita o sonho, dissolvê-lo, no sonho do mundo. Quem sonha este sonho senão Eu? Quem sonha este sonho para além do meu Ser? 

Sento-me num banco de jardim e entabulo conversa com um freixo simpático que está logo ali ao lado. Ele não faz ideia do tempo, nem das coisas que giram à volta dele. Apenas faz ideia de si, e de se Ser, Total. Consciência pura. No início foi-me difícil compreendê-lo, mas passado um bocado, talvez no mesmo instante, falávamos fluentemente como se sempre tivesse sido assim. Tudo o que trocámos foram histórias do Agora ainda que tivessem acontecido na minha percepção de outras eras. Há palavras que ele não compreende e que descartei por também não lhes encontrar um verdadeiro significado. Palavras que de tão gastas perderam a essência ainda que não a coerência. As palavras essenciais não se dizem, sentem-se e expressam-se no sentir, tudo o mais são formalismos insípidos e sem conteúdo. Os freixos são deveras interessantes, grandes conhecedores dos mistérios do mundo e da palavra divina, esse som primordial que trocam com o vento, com a terra e com a chuva, com o sol, com a lua e com as estrelas. Caiu a noite e ainda estávamos conversando. Podia sentir a minha pele brilhar com uma luminosidade que me era intrínseca. Todos os meus átomos vibravam plenos de energia. Quando lhe perguntei como dormia sorriu... tudo é um sonho, disse, não te esqueças, estamos sempre a sonhar. Sorri...

... o sonhador é um fingidor e por vezes finge tão completamente...