terça-feira, 25 de agosto de 2009

... de um Diário... ao acaso...


A Lua
É doce a chuva que cai lá fora. O cinzento do dia cobre a visão da janela deste quarto impessoal onde imprimimos os nossos gestos e palavras numa sede de estar para além do que nos rodeia, como um refúgio só nosso, onde nada nem ninguém macule o nosso querer. Recordo a noite que passou, o toque dos teus lábios, o frémito da minha pele ao toque dos teus dedos, o luar e a voz do mar, e o brilho dos olhos dos anónimos passageiros deste barco, que parecem felizes ao simples estarmos aqui, juntos, como uma conspiração universal, de algo inevitável e inadiável, como se disso dependesse o rodar do planeta à volta do sol. É uma recordação onírica, uma alegoria quase implausível, os momentos que passamos juntos. E contudo, aqui estamos nós. Olho-te e velo o teu sono, e nesse olhar acaricio a tua pele, a essência do teu ser que só os meus olhos conhecem, e amo-te. Nesse amor, seco o sal dos meus pensamentos, o ardor no peito da memória do estranho sonho que me despertou tão cedo e que não compreendo o estar ali tão estranhamente descontextualizado.

Pego num livro e leio, procuro nas suas páginas a minha origem mais antiga, a marca da minha vontade, a razão de estar ao teu lado. É obscura a sua mensagem, mas o teu nome está presente, como sempre estivera, oculto pelo sangue dessas águas da memória que brotam num árido vale de pensamentos e desejos, tão antigos como o mundo. Mergulho de novo na inconsciência, desta vez com a certeza de que esta história terá um eco, e que esse eco ressoará indelevelmente na mente de todos os narcisos, quando a aridez da terra não lhes permitir jamais a presença desses lagos que alimentam a existência.

Há uns meses atrás estas palavras seriam apenas uma jocosa probabilidade engendrada pela ironia das possibilidades infinitas…

O cântico do mar brinda o astro dourado que nos saúda. Os nossos olhos sorriem nesse despertar e nele nos entregamos, tão completamente que o tempo podia ter parado. Mas Cronos é irredutível na sua demanda e o momento é quebrado pelo som apressado de uma voz alheia ao nosso estado de sermos um só.

Os gestos de amor repetem-se inequivocamente, como que por vontade própria…

Acompanho-te neste teu início de dia, como se o mundo não fizesse parte dos meus planos, e o quotidiano mais não fosse que uma história paralela à minha vida, que agora abraço com outro toque. Conto-te o meu plano, convido-te a fazer parte dele, e um instante que não lembro, vem-me à memória o dia em que te conheci, como algo tão distante, e tão infinitamente presente…

(...)

O que falámos nessa noite? Que músicas passaram? Impressões crepusculares, indistintas, ao lembrar o teu olhar e a leveza do teu sorriso nele. O vinho que bebia lembro-o hoje com tonalidades sangue-dourado, como o pulsar divino da vida nas veias e teias deste labirinto de Creta que é a minha vida. Ainda não sabia nesse dia, que esse sangue-dourado tinha o sabor da tua pele…