quarta-feira, 25 de abril de 2007

O Céu está mais Azul!

Na cidade do nosso descontentamento, luzeiros nocturnos desvanecem ao raiar do luar da aurora. Passos surdos caminham inseguros, na tela mal iluminada da calçada onde se escreve a nossa história. O Sol tarda e a Lua ainda não partiu, deixando no azul o sabor da noite, nos corpos. A melodia da rotina principia em andamento lento, em crescendo… Os odores alastram pelos corredores ainda mal iluminados nos interiores desconhecidos. E o Sol espreguiça-se, ao longe, anunciando o seu turno.

Os passos surdos misturam-se agora na melodia crescente do quotidiano imposto, como regra secular, em movimento giratório constante…

Engrenagem…

Descem as vendas sobre os olhos. O Sol ofusca, irradiando num acto visceral, o seu poder de ocultar a forma primordial dos sentidos… E caminhamos lestos… para lado nenhum… com a alegria visível da nossa insanidade!

Tresmalhados sussurros fazem-se ouvir pelos cantos insuspeitos da cidade nua, como uma secreta arma de frente de libertação. Dizem, numa cadência subliminar, que se confunde com os ruídos dos passos em volta, que o Céu está mais azul…

… Inspiradores da audácia…
… Desavergonhados sem escrúpulos…
… Dementes do impropério…
… Hereges de causa oca…

Gritam temerosos os que passam ao largo, de vendas firmemente atadas.

Ao meio-dia o louco da cidade reverbera inconsequentes palavras em praça pública, que já ninguém ouve, por adaptação:

- Toda a Verdade é única e Verdadeira
- Tu és a Tua Verdade…
- Ó Francisco!!!
- “Qu’ é?”

E ninguém ouve, e olham de soslaio, com receio de contaminação…

***



Hoje acordei com um raio de sol filtrado por entre reentrâncias de sonho, tecidas a vento quente em areias cálidas, de desertos férteis em desejos…

Esqueci-me da venda.

O sabor do café desperta-me um sorriso e digo-te:

- Já viste que o Céu está mais azul?